sexta-feira, 1 de julho de 2011

XLVIII não apagar a memória




eduardo ribeiro a discursar



CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA



Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.

É possível, porque tudo é possível, que ele seja

aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,

onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém

de nada haver que não seja simples e natural.

Um mundo em que tudo seja permitido,

conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,

o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.

E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto

o que vos interesse para viver. Tudo é possível,

ainda quando lutemos, como devemos lutar,

por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,

ou mais que qualquer delas uma fiel

dedicação à honra de estar vivo.

Um dia sabereis que mais que a humanidade

não tem conta o número dos que pensaram assim,

amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,

de insólito, de livre, de diferente,

e foram sacrificados, torturados, espancados,

e entregues hipocritamente â secular justiça,

para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»

Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,

a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas

à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,

foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,

e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,

ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.

Às vezes, por serem de uma raça, outras

por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência

de haver cometido. Mas também aconteceu

e acontece que não foram mortos.

Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,

aniquilando mansamente, delicadamente,

por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.

Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,

foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha

há mais de um século e que por violenta e injusta

ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,

que tinha um coração muito grande, cheio de fúria

e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.

Apenas um episódio, um episódio breve,

nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)

de ferro e de suor e sangue e algum sémen

a caminho do mundo que vos sonho.

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém

vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.

É isto o que mais importa - essa alegria.

Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto

não é senão essa alegria que vem

de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém

está menos vivo ou sofre ou morre

para que um só de vós resista um pouco mais

à morte que é de todos e virá.

Que tudo isto sabereis serenamente,

sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,

e sobretudo sem desapego ou indiferença,

ardentemente espero. Tanto sangue,

tanta dor, tanta angústia, um dia

- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -

não hão-de ser em vão. Confesso que

muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos

de opressão e crueldade, hesito por momentos

e uma amargura me submerge inconsolável.

Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,

quem ressuscita esses milhões, quem restitui

não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?

Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes

aquele instante que não viveram, aquele objecto

que não fruíram, aquele gesto

de amor, que fariam «amanhã».

E, por isso, o mesmo mundo que criemos

nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa

que não é nossa, que nos é cedida

para a guardarmos respeitosamente

em memória do sangue que nos corre nas veias,

da nossa carne que foi outra, do amor que

outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena



um aspecto da sociedade martins sarmento, em guimarães


ontem tive o raro privilégio, uma vez mais, de conviver com alguns democratas de braga, pertencentes à famosa lista da cde. aliás, esta lista, diga-se, antes de mais nada, é a lista que mais trabalho nos dá, a nós, técnicos de museus e de bibliotecas, porque foi uma lista inovadora nas eleições de 1969, com imensos textos e folhas volantes então publicadas, riquíssimas de conteúdo programático e de ideias para a inovação e renovação de portugal, nos seus mais variados temas, uma panóplia de textos e de intervenções dos seus elementos que ainda alguns deles conheci pessoalmente através do dr. sá da costa, caso do saudoso santos simões. isto aconteceu porque ontem, na sociedade martins sarmento, em guimarães, foi a apresentação do livro de eduardo ribeiro "insubmissão: resistência ao salazarismo: não apaguem a memória", com introdução de artur sá da costa, um dos democratas de braga, conforme o disse na abertura da sessão amaro neves da sociedade martins sarmento. aliás, o mesmo artur sá da costa realizou não só a apresentou do autor, eduardo ribeiro, do "núcleo duro" dos "democratas de Braga", como a introdução ao livro. se o que registo da intervenção de eduardo ribeiro é que se "as consciências acordaram com o sol airoso da madrugada de abril", hoje os portugueses "interrogam-se", na medida em que a democracia "não está a ser levada a cabo". acrescento mais este apontamento: "parece que as novas gerações não estão para a construção da democracia", retomo aqui o repto de artur sá da costa: a realização de um amplo congresso histórico da oposição democrática daqui a três anos, quando abril comemorar 40 anos.





Eduardo Ribeiro a autografar a minha lembrança




a dedicatória do autor e de artur sá da costa. estes momentos são sempre inesquecíveis



amaro das neves, eduardo ribeiro, artur sá da costa





artur sá da costa no momento da apresentação do autor e do livro



henrique barreto nunes, joaquim loureiro, eduardo ribeiro



no início da sessão dos autógrafos. vemos henrique barreto nunes, artur coimbra, entre outros



uma perspectiva do auditório























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