terça-feira, 28 de junho de 2011

XLVII a bela e singela cangas

para yoli, docemente



"E que montanhas pujantes, cinjindo a ria toda, como entre bordos de taça - montanhas da Galiza, montanhas romanescas, cheias de ruínas de castros e dolmenes..."


Fialho de Almeida




Quando se chega de comboio a Vigo, o mar esbelto, rodeado de sumptuosas montanhas, adivinha-se claramente que a cidade de Vigo, que albergou Bernardino Machado por duas vezes durante o seu segundo exílio, a seguir ao Golpe Militar de 1926, mais precisamente em 1927 e em 1932, alojando-se no Gran Hotel Continental, adivinha-se, dizia o amoroso viajante, que estavamos perante uma cidade que se desenvolveu num vale. Mas, pensava então o viajante amoroso, que as outras cidades vizinhas, assim o seriam também, vales e água e montanhas. De facto, assim com Cangas, a bela e singela Cangas. Vigo, diga-se, a Casa del Libro, desiludiu o viajante amoroso, porque não encontrou o que pretendia, pelo menos dois livros de Francisco Giner de los Ríos, o pedagogo por excelência de Espanha e amigo pessoal de Bernardino Machado, uma amizade cívico e intelectual, nomeadamente "La Persona Social" e "El Arte y las Letras", e nada havia sobre o Instituto Libre de Enseñanza, preocupando-os uma pedagogia social e prática.





Mas encontrou um livro do filósofo espanhol que muito aprecia, Daniel Innerarity, supõe que ainda não traduzido em Portugal, assim para português o título "O Futuro e seus Inimigos". Já em Cangas, com paraiso de perfume feminino, o amoroso viajante calcorreou pelas ruas de Cangas, e, por indicação de paraíso, foi ter à livraria e papelaria "A Estorga", passando por umas ruelas tradicionais já conhecidas, com as suas varandas de ferro tradicionais, e diz, Olha, aquela já conheço, encontrou para surpresa sua um livro de Fialho de Almeida, que o viajante amoroso desconhecia, publicado em 1996 pelas Ediciones Laiovento, com o título "Cadernos de Viagem: Galiza, 1905", cabendo a responsabilidade editorial a Lourdes Carita, assim com uma introdução e notas suas aos "Cadernos" galegos de Fialho. E, para esperar por sua dama, comprou também de Álvaro Cunqueiro "Fábulas e Leyendas de la Mar", oferecendo-lhe de Castelao "Cousas de la Vida".



Conversa mais conversa, lá se entenderia o amoroso viajante com o jovem livreiro, e este lá lhe diz que Saramago, Lobo Antunes, ah, e Eça, são os mais lidos por aqueles lados, e pergunta o viajante amoroso, E Camilo? Resposta, Não! Só aqueles três. Ainda mencionou mais um ou outro escritor português e nada de nada, a resposta era sempre negativa. Tão perto e tão longe culturalmente! Mas antes de avançar até Cangas, gostaria de referenciar as relações culturais até hoje então existentes entre Vila Nova de Famalicão e a Galiza; mas de Cangas e em Cangas amorosamente o amoroso viajante se encontra. Este texto é um texto sentimental, não tem nada de científico. E se há pouco fez referência a Fialho de Almeida e àquela surprendente descoberta, é porque já conhecia dele das "Estâncias de Arte e de Saudade" os textos "Pela Galiza" e "De Vigo a Cangas". São textos belíssimos de Fialho. Com ele, o mundo vive nas palavras. Retomando. O que não deixa de ser, então, curioso é a existência de uma comunidade galega em V. N. de Famalicão, a qual, em meados do Século XIX, atinge o seu corolário festivo e tradicional com a Festa do Cuco, a qual era realizada no primeiro dia da Primavera. Um outro pormenor em volta do cuco, é que ele surge como uma ave divinatória em V. N. de Famalicão nos tempos pré-históricos... Esta aproximação com o Minho, particularmente com o Baixo-Minho e a Galiza, encontra-se também nos Cancioneiros do Norte de Portugal e, no nosso caso, com o de S. Simão de Novais (freguesia do concelho de V. N. de Famalicão). nos quais mais de sete dezenas de quadras populares são iguais, como já o demonstrou o escritor e investigador galego Domingo Blanco no Colóquio Sobre a Cultura Popular Minhoto-Galaico, realizado em V. N. de Famalicão no ano de 1993. Do Cancioneiro Galego refere o amoroso viajante o organizado por Ballesteros. Entre 1927 a 1933 surge uma revista ímpar com o nome de "O Soneto Neo-Latino" e publicada em V. N. de Famalicão e por dois famalicenses, nomeadamente Júlio Brandão e Álvaro de Castelões, os quais vão incluir, dos colaboradores internacionais, poetas galegos. Em 1997, mais uma aproximação cultural entre Famalicão e a Galiza, com o Professor Xesús Alonso Montero, que viria a terras de Vila Nova proferir uma conferência com o título "Estudo de uma revista poética singular e especialmente as colaborações galegas". Em 1995 as Casas-Museu Rosalía de Castro e de Camilo Castelo Branco estabeleceriam um protocolo para a dinamização de ambos os museus nas suas regiões, com actividades culturais de ambos os lados. Por enquanto, se a memória não falha a este amoroso viajante, só ficou tal colaboração pela publicação em 2006 das "Follas Novas" de Rosalía de Castro e pelo "Amor de Perdição" de Camilo; e recorda-se a homenagem de La Guardia a Bernardino Machado.



Retoma a Cangas, rodeada pelo seu belo cais; e enquanto o amoroso viajante esperava por paraíso, deambulou por Cangas, tirou fotografias e naquele singelo e belíssimo jardim encontrou algumas esculturas e estátuas em homenagem da população de Cangas às suas personalidades locais. Aqui estão presentes o filantropo de Cangas, Jose F. Soage Villarino, aplicou a sua fortuna na comunidade de Cangas; a ternurenta escultura em homenagem ao emigrante, com o título "A Volta do Mar" do escultor Juan Piñeiro Nogueira e aqui retomo o livro de Álvaro Cunqueiro com a seguinte passagem que transcreve o amoroso viajante literalmente: "A sereia está atenta ao homem que regressa ao lugar, no Outono, que vem carregado de nostalgias, de saudade, palavra nada fácil, em que parece ter confluído solitudo, salus e suavitas. Não se sabe. A sereia espera o homem e lhe diz canções que a avivem mais as suas saudades, o apetite de retorno, o desejo de sentar-se no amor do fogo da sua casa, e a sereia oferece, parece, atalhos caminheiros para que o viajante esteja quanto antes com ela." Sim, apetece e deseja voltar este amoroso viajante para a sereia-paraíso, porque o mundo é outro nela, nele. E o amoroso viajante encontra D. Manuel Graña Gónzalez, filho de Cangas, sacerdote e periodista, um auto-retrato em alto-relevo de Xoan Piñeiro, escultor e outro filho de Cangas, a homenagem às peixeiras, em frente ao mercado. Do outro lado da alameda, uma escultura dedicada às gaivotas, tendo, ao fundo, ao pé do mar, a simples e luminosa Capela do Hospital de Cangas. E mais fotografias este viajante tirou, esperando pela sereia-paraíso, e sentou-se no Bar Alborada, na esplanada, a sentir o cheiro da maresia do fim da tarde, a ler Álvaro Cunqueiro e as suas lendas mitológicas marítimas. E se Cunqueiro evoca o polvo, o pulpo, como um daqueles práticos típicos dos galegos, o polvo partido aos bocadinhos e temperados com azeite, sal e pimentão, o amoroso viajante prefere as navallas, as navalhas, do Portujes, casa fundada por um português, mas agora gerida por um galego. Mas as navallas são simplesmente de sabor transcendente e regadas com um vinho branco fresco ou mesmo com uma cervejas caiem deliciosamente em nós! E dizem os galegos que são afrodisíacas...




A sereia-paraíso ainda mostrou ao seu amoroso viajante o fabuloso cruzeiro de Hío, assim como a sua Igreja Românica do Século XII, com as cachorradas ricamente recheadas de motivos, ou então ainda a singela igreja paroquial barroca de Santa Maria e a sua fonte, também barroca, assim como o seu cruzeiro, não pretendendo esquecer a Colexiata de Santiago de Cangas, com a bandeira de Espanha e da Galiza, e com um tapete de flores à frente da porta principal, a comemorar o Corpus Christi. Ao lado da Colexiata, o monumento a Santiago, patrono da cidade, denominado popularmente Santiago Mata-Mouros, não tendo já a espada e o cavalo as pernas da frente. A referência a Primo de Rivera, no muro da Colexiata, faz insculpir dizeres populares críticos à sua política ditatorial.





Mas a surpresa do mundo enquanto há mundo com a sereia-paraíso será, maravilhosamente e indiscutivelmente, o Cabo Home. Fabulástico! E então aquele pôr-do-sol majestático e brilhante, aquela luminosidade na linha do horizonte, o que temos senão a vida no seu melhor?








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