os dias lá têm as suas surpresas. as surpresas dos dias. o dr, manuel sá marques teve a amabilidade de informar a publicação de um estudo de eugenio otero urtaza intitulado "bernardino machado e francisco giner de los rios entre 1886 e 1910. amistad, iberismo e espíritu de reforma educativa". por si só, a leitura deste texto promete; e promete na medida em que também preparo um trabalho no âmbito da educação prática, tendo sido esta mesma perspectiva educacional que juntou giner de los rios e bernardino machado para uma amizade não só pessoal, mas também cívica e pedagógica. o estudo de otero urtaza encontra-se publicado na "revista de pensamento do eixo atlântico", n.º 4 de 2003. foi uma agradável surpresa. a outra surpresa do dia foi o início da leitura do livro publicado entre nós de milan kundera "um encontro": mais do que o simples encontro de kundera, é, isso sim, uma série de encontros leitorais e estéticos do próprio kundera com os seus escritores e pintores preferidos. abre com uma reflexão do pintor francis bacon, recuperando uma antiga reflexão. não concordo com algumas afirmações de kundera, mas termina as suas breves reflexões em beleza. o meu contacto com a obra de francis bacon foi na faculdade, já que tive de fazer um trabalho sobre a sua linguagem estética, servindo-me para isso de um livro de delleuze, do qual agora não me lembro do título. cita uam entrevista de bacon, o qual nos diz tudo sobre a sua estética pictorial: "uma forma orgânica que remete para a imagem humana mas em completa distorção." kundera considera que o que temos em bacon é a "interrogação sobre os limites do «eu»". contudo, considero que em bacom não há limites. o que temos em bacon é a transfiguração do humano, o outro lado da moeda, a aparência do corpo deambulante. não há fronteiras na estética de bacon: o que temos é o outro lado do humano na sociedade contemporânea, a sua desfiguração. nem sequer temos o possível "alegre desespero" de kundera. mas kundera, como disse, termina em beleza. registo aqui esta sua reflexão, perante a qual somos um corpo sem interioridade: "Não é pessimismo nem desespero, é uma simples evidência que, em geral, velada pela nossa pertença a uma colectividade que nos cega com os seus sonhos, as suas excitações, os seus projectos, as suas ilusões, as suas lutas, as suas causas, as suas religiões, as suas ideologias, as suas paixões. E depois, um dia, o véu cai e deixa-nos a sós com o corpo...", seres humanos deambulando com o corpo. e o que fica para além do corpo? o rosto: "o rosto no qual fixo o meu olhar a fim de nele encontrar uma razão para viver". rostos desfigurados.
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