segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

III

"O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível."
Oscar Wilde


O que temos em epígrafe de Oscar Wilde representa verdadeiramente o maior drama da humanidade, a duplicidade do ser humano, naquilo que aparentemente o ser humano pode ser e não ser, entre a não revelação e a revelação dramática, particularmente, que o mistério não é divino, mas que o mistério é humano. A história o comprova, nas suas inglórias tragicidades. Mas antes de entrar no que gostaria de falar, indirectamente já lá estamos, cito Hannah Arendt, a qual, através de Sócrates, nos evidencia esta duplicidade do humano: «No Górgias, Sócrates, ao ter de enfrentar a natureza paradoxal da sua tese e a sua incapacidade de persuadir, tem a seguinte réplica: em primeiro lugar, diz que Cálicles não pode «estar de acordo consigo próprio, mas se contradirá a si próprio na sua vida». E, depois, acrescenta que, pelo seu lado, acredita que «seria melhor para mim que a minha lira ou um coro por mim dirigido estivessem fora do tom e cheios de sons discordantes, e que a maioria dos homens não concordasse comigo e me contradissesse, do que ser eu, que sou um, a perder o tom comigo e a contradizer-me a mim próprio». Ser eu, que sou um, contradizer-me a mim próprio... A grande questão que aqui está patente é uma questão ética entre o sermos nós próprios e sermos nós próprios num outro que se encontra escondido (Borges e Pessoa foram múltiplos e foram eles próprios), sermos outros que não nós, sermos múltiplos em nós sem o sermos. A famosa máscara humana. Esta simples reflexão leva-nos ao homicídio de Renato Seabra (ninguém ficou indiferente, o pior crime seria a indiferença), o pacato, o soosegado, perante Carlos Castro, representando Seabra a impossibilidade do acontecer do outro, do que está em nós, neste caso a barbaridade do ser humano. A nível local, também falado na imprensa, jornais e televisão, mas não tendo o mesmo eco que o primeiro caso, e tambem ninguém ficou indiferente, fala-se nos cafés de ambos os casos, foi a nótícia do marido que fazia a mulher prostituir-se com outros, filmando as cenas sexuais e vendendo os filmes. O que surprendeu a polícia foi o armamento que o indivíduo tinha em casa; a nós surpreende-nos um caso mais, em que a colectividade deixou andar durante vinte anos tal situação. Estamos perante a ética da responsabilidade perante a comunidade em que estamos inseridos. Temos, portanto, uma reflexão individual e colectiva, perante seres humanos desprotegidos, na medida em que a barbaridade do ser humano atinge limites incontornáveis perante aquilo que o ser humano poderá ser ou não ser. Se nós não sabemos quem somos, quem saberá? Os outros por nós? Impensável! Estamos perante dois casos com aquilo que o ser humano é, o desconhecido eterno de si mesmo, situado entre uma fronteira que quando é ultrapassada explode com resultados inimagináveis. A falta de comunicação entre os seres humanos, realidade cada vez mais plausível, leva, muitas vezes, ao horror do outro lado da indiferença colectiva perante o segundo caso. O crime da sociedade contemporânea é, precisamente, este: o da indiferença entre o que se diz e o que não se diz: o mas provável, muitas vezes, não é com o que não se diz, mas sim com o que se diz, com o que se revela. A citação de Arendt é retirada do texto "Algumas Questões de Filosofia Moral" e encontra-se no livro "Responsabiidade e Juízo". Indispensável a sua leitura! Não me apetece falar da hipocrisia desta campanha presidencial: o fait-divers já está encontrado para se esquecer a realidade de um país à deriva!







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